Notinha

E melhor se poderia dizer dos poetas o que disse dos ventos Machado de Assis: "A dispersão não lhes tira a unidade, nem a inquietude a constância". 
Mário Quintana

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Alterego

Nascemos. Nos mostramos ao mundo, e o que somos? Amontoados de células. Átomos. Partículas. Ponto de vistas únicos no universo, e somos livres para isso. Libertos para ser apenas o que já somos. Não há escolha para ser outra coisa, para ser o Outro. Corpos que se atraem. Ocupamos lugar no espaço. Somos isto e talvez algo mais. Nos atraímos e repelimos, o que nos torna bem mais complexos de se organizar. Estranhas rosas sem espinho.
Não somos o Outro, mas excluindo o Outro de nós, tornamo-nos nada: somos conceitos vazios. Desse modo, somos discurso, apenas aquilo que falam de nós e aquilo que falamos de nós mesmos.
Ao sairmos do ventre materno, e até mesmo antes, quando a vida se faz de fato, atuante, já nos dizem o que ser: somos homens ou mulheres e a partir desse instante, e para nunca mais abandonar, carregamos enraizados na alma, todo um conjunto de expectativas e determinações. Nesse contexto a asserção freudiana "anatomia é destino" se faz válida e reforçada e principalmente, fundamentada por elementos culturais milenares, ultrapassa o limite da biologia, e se mostra feraz e determinista. Questionamos, então, o conceito de liberdade. Se a anatomia nos determina, o que nos condiciona a ser, de fato, o que somos é o desejo.
Desejo é algo que nem mesmo o onipotente dicionário bem define. Desejar, no entanto, é genuinamente humano. A vontade que se aproxima, amorosamente, do objeto, mas que jamais o alcançará. A partir daí a escolha é nossa, somos senhores do fluxo e é tranqüilizante pensar assim. Estamos no controle: uma pitada no conjunto de bálsamos diários que tomamos em doses homeopáticas, uma doce ilusão que tomamos por verdadeira.Desejar é ter certeza que estamos vivos e à procura de quem somos, apesar de desejarmos apenas aquilo que não temos e por fim, o que não somos. Neste âmbito o Ser é constituído pelo não Ser, pela alteridade, pela eterna busca por aquilo que nos falta e que por isso, e somente por isto julgamos essencial. Somos então neuróticos aventureiros. Somos puro desejo.

2 comentários:

Pitanga disse...

Somos átomos sim - como química, confirmo!

Mas somos principalmente DESEJO também...certíssima você.
O desejo é humano e é motivador.
Eu tenho, aprovo e apoio!

Beijos Doces pra ti,
Pitanga.

Pantaleão disse...

Esse desejo ainda me mata!