Notinha

E melhor se poderia dizer dos poetas o que disse dos ventos Machado de Assis: "A dispersão não lhes tira a unidade, nem a inquietude a constância". 
Mário Quintana

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Dúvida: um pleonasmo

O céu azul e branco. O céu azul com nuvens brancas. Nuvens brancas com um céu azul. O ceu branco com nuvens azuis. O céu branco. O céu azul. Que é o céu então? Azul? Branco? Azul e branco? Branco e azul? É poesia. É inquietação. É dúvida.
Dos males o maior. Teto do mundo inteiro. É a dúvida, não é o céu. Tudo daí se forma e reforma. Peirce chamaria de inquérito. Eu não nomearia. Eu duvido. Duvidamos, então: duvido do nome, do sobrenome, da família, das suas origens no Mediterrâneo. Duvido da sua mãe, dos joelhos curvados, das patas de quatro, da ama de leite e das tetas dela, também. Pois duvidar é inquietar-se, não se adaptar às formas, aos contornos e aos traços retos. É ser curvilíneo puramente vivo.
Duvidar, porém, não é mera desconfiança, mas o caminho necessário e assim inevitável para alcançar e agarrar a certeza que foge afoita. Um processo dinâmico e frequentemente circular: uma dúvida proporciona a certeza ou gera outra maior ainda. Da instabilidade e desconforto à calmaria ou ao caos. Situações reltivamente subjetivas.
Por outro viés, o gênero humano, lumbrigas terrestres racionais por excelência e por imposição, habitualmente preferem "certezas". Hábitos cristalizados, algo para acreditar, conduzir e justificar, um pastor universal para um gigantesco rebanho. Tudo muito bem fundamentado, sólido, impenetrável e essencialmente confortável.
Tendem à estagnação, onde qualquer movimento só existe afim de transformar-se em repouso. E sete pedras são cuspidas sob a dúvida. A ciência, a filosofia, a religião, o universo em seu continnum e gemidos; acusam-na de profanação. E ela prostrada em sua inquisição, segue cambaleante mas, nunca rasteja, pois, sabe bem o caminho do altar.


"Ontem à noite quando o deixei só, já não era deste mundo - disse ela"
(Gabriel García Márquez. O amor nos tempos do cólera)